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Teresa e Rodrigo Maurício, os "manos" acordeonistas em entrevista

Teresa e Rodrigo Maurício, os "manos" acordeonistas em entrevista

São irmãos e dominam o acordeão como poucos, quer a solo quer em duo. É sempre um prazer poder escutá-los...
Estivémos "à conversa" com os irmãos Mauricio.

Revista Festa - O Rodrigo e a Teresa, são irmãos?
Rodrigo Maurício - Correto. Somos irmãos e nascemos ambos na Lourinhã onde na altura ainda havia uma maternidade e, por estranho que pareça, a minha irmã foi o último bebé a nascer naquela unidade da Lourinhã.



Festa - Foi na Lourinhã que também cresceram?
Rodrigo Maurício - Sim. Fomos criados na Lourinhã e aí passámos a nossa adolescência e tivemos o nosso crescimento, inclusívé a nível musical. Só depois começamos a procurar “crescer” e aprender fora por, nessa altura, existirem algumas limitações, em especial a nível musical.

Festa - Isto tudo já na área do acordeão?
Teresa Maurício - Sim, sempre foi a nossa paixão.
Rodrigo Mauricio - É verdade, comecei a aprender com um acordeonista que tinha um stand de automóveis na Lourinhã. Como não se vendia carros todos os dias tinha o acordeão no stand e deixava-me mexer nas teclas e tocar de vez em quando, depois de falar com o meu avô, que também tinha um estabelecimento na vila, porque dizia que eu tinha jeito para aquilo... mais tarde passei para o professor Vasco Lopes, ainda na Lourinhã. Depois disso, para tentar evoluir,  eu e a minha irmã, que tem uma idade muito próxima da minha, passamos a ter aulas com o professor Bernardino dos Santos Coelho, um algarvio que residiu em Torres Vedras durante alguns anos e que uns anos mais tarde nos aconselhou a ir para Lisboa, para o Instituto Vitorino Matono, onde estudámos durante algum tempo, no curso livre de acordeão, até aparecer o curso oficial, que não conclui porque familiarmente não me era possível.

Festa - O Rodrigo não se ficou por aí?
Rodrigo Mauricio - O meu sonho era tirar um curso ligado à música ou ir para a Academia Militar. Como não consegui entrar na Academia, nessa altura, perdeu-se um militar e ganhou-se um músico.

Festa - ...e a irmã Teresa?
Teresa Maurício - A irmã Teresa, por meter os dedos onde não deve (sorriso) foi “puxada” e fez o percurso a par com o mano, pelo menos até ele seguir para a faculdade para tirar um curso ligado à música e eu ter optado por um curso que nada tinha a ver...
Mas a vida dá voltas, fizeram-me uma proposta e acabo por ficar mais efetiva como música residente na Quinta do Hespanhol, que há uns anos recebia milhares de pessoas. Integrei a Banda e ainda lá estive durante uns anos. Nessa altura, entre músicos, cantores e animação eramos mais de trinta elementos...

Festa - A partir daí, sempre ligada à música?
Teresa Maurício - As coisas foram decrescendo na Quinta e passa a não ser necessário tantas pessoas. Optei por procurar outra atividade que me desse pelo menos tanto prazer como a música e dediquei-me de corpo e alma à fotografia, que também adoro.

Festa - Embora com percuros diferentes sempre foi possível escutá-los a tocar juntos?
Rodrigo Maurício - Sim e não...

Festa - Que quer dizer o sim e não?
Rodrigo Maurício - Sim, porque crescemos juntos e, na altura, havia aqui uma série de duos na nossa região e as pessoas achavam uma certa graça ao facto de haver dois irmãos, muito jovens, que tocavam acordeão. Mas também é verdade que crescemos juntos e começamos a tocar também juntos.
Mais tarde, quando nos iniciamos nos festivais de acordeão já nos “obrigavam” a tocar em separado e foi nessa altura que também começamos a percorrer caminhos separados. Depois, quando contratavam o Rodrigo... o Rodrigo ia tocar. Quando contratavam a Teresa... a Teresa ia tocar. Quando contratavam ambos... ambos iam tocar. Ou seja, dentro da área da música tornamo-nos multifacetados, fazendo de tudo um pouco, desde festivais, folclore, atuações a solo, atuações em duo, produções de eventos nacionais e internacionais, e, no meu caso, o próprio ensino da música.
A Teresa seguiu o seu caminho como fotógrafa, mas isso não a impede de, sempre que há solicitações, marcar a sua presença, a solo ou em duo.

Festa - Mas a Teresa, para além do acordeão e da fotografia ainda tem um barco e está ligada ao mar?
Teresa Maurício - A Teresa não (sorriso). O marido da Teresa tem um barco e adora a parte do turismo náutico, o que nos obriga a ter dois “encartados” dentro da embarcação, e que, como era de esperar, acabou por fazer com que eu tirasse carta náutica também...

Festa - O tempo chega para todas essas atividades, mais os filhos e a família pelo meio?
Teresa Mauricio - É uma questão de se saber conciliar as coisas. Não é fácil, mas com organização e um pouco de jeito consegue-se harmonizar tudo: família, barco, folclore, atuações a solo e atuações com o meu irmão, em especial.

Festa - O Rodrigo, para além da música também ainda “dá aulas”?
Rodrigo Maurício - Sim, é verdade. Já fui professor do ensino oficial durante uma série de anos mas como não concordo com a filosofia atual, o método e forma como são tratados os professores hoje em dia, acabei por abrir o meu próprio espaço de ensino de música, no Seixal da Lourinhã. Para além disso dou aulas em Peniche, na Academia de Música do Stella Maris, e em Penafirme, no Clube Académico, um espaço alternativo dentro do Externato onde, com financiamento do município, estou a preparar meia dúzia de músicos que, depois, possam vir a dar resposta à necessidade de acordeonistas nos diversos grupos de folclore existentes no concelho de Torres Vedras.

Festa - Hoje em dia o acordeão voltou a ser o instrumento “da moda”?
Rodrigo Maurício - Foi uma das grandes “lutas” iniciadas pelo Prof. Vitorino Matoso e outros seus colegas acordeonistas, há uns anos, para que o instrumento saísse de uma área muito restrita em que se encontrava. O folclore e pouco mais.
Hoje temos acordeão na música clássica, no jazz, na música contemporânea, na música rock e no rock sinfónico, e em muitos outros géneros musicais, porque finalmente as pessoas começaram a perceber que o acordeão é um “poço sem fundo” de soluções. Basta ter-se imaginação e é muito fácil a sua adaptação a qualquer área.

Festa - Com toda essa evolução não faria sentido vermos mais o acordeão também ligado às festas e romarias populares, onde já reinou?
Rodrigo Maurício - Com o aparecimento do acordeão eletrónico passou a cair um pouco em desuso a utilização do acordeão tradicional, porque passou a permitir-se ter uma caixa de ritmos a acompanhar e mais facilmente o músico cantar, por não obrigar à parte física do abrir e fechar os foles que, ao fim de algum tempo, passa a causar desgaste no executante.
Depois, o acordeão vai aparecendo nas festas, nos grupos de baile, só que por vezes os músicos sujeitam-se a cachets tão baixos que os obriga a abdicar de alguns dos instrumentos que podem dar brilho às próprias atuações.
Teresa Maurício - Outra das razões que levou o acordeão a não aparecer tanto deve-se também ao facto de ter aparecido uma série de organistas que, por uma “tuta e meia” se prestam a fazer um “bailarico” durante “não sei quantas horas”. Esse foi outro dos fatores que fez com que o acordeão, um instrumento mais exigente, se visse relegado de muitos espetáculos.

Festa - O acordeão continua a ser muito requisitado?
Rodrigo Maurício - Claro que sim. Nós, por exemplo, temos anos de fazer mais de cento e vinte “serviços”.

Festa - O problema dos cachets coloca-se aos acordeonistas ou é um problema que atinge mais outro tipo de músicos?
Rodrigo Maurício - Para um músico atuar têm que ser criadas condições que lhe permitam fazê-lo com alguma dignidade. O cachet é um desses fatores. Não é o principal mas claro que é importante também, porque se trata de instrumentistas com muitos anos de aprendizagem e com utilização de instrumentos que já custam algum dinheiro.

Festa - Neste momento qual o vosso principal tipo de espetáculos?
Rodrigo Maurício - No meu caso estou ligado ao espetáculo, ao concerto, à produção e ao ensino.
A minha irmã, como não tem esta parte da produção e do ensino, consegue ser uma boa fotógrafa, ir à pesca e ainda dar uns passeios de barco (riso).

Festa - Que lhe dá mais prazer, Teresa, a fotografia ou o acordeão?
Teresa Maurício - São duas coisas completamente diferentes, mas são duas coisas que têm algo em comum: nunca estou no mesmo sítio...
São ambos trabalhos que representam, para mim, uma verdadeira lufada de ar fresco e me permite conhecer locais diferentes e nunca ter qualquer tipo de monotonia, retirando de ambos um prazer enorme.
Na música, procurei virar-me mais para o folclore porque, assim, tenho o privilégio de poder ter os meus filhos a acompanhar-me, ou seja, como “mãe galinha” que sou, vá para onde for posso levar sempre os meus “pintainhos” debaixo da asa (sorriso). Eles não tocam mas dançam ambos, neste momento, no rancho folclórico As Moleirinhas do Seixal (Lourinhã).

Festa - Uma vida movimentada para ambos?
Rodrigo Maurício - É verdade, em especial neste triângulo Lourinhã - Torres Vedras - Lisboa, que se alarga consoante os locais onde temos os espetáculos depois, quer no país ou no estrangeiro, e em palcos onde nunca imaginaria sequer poder atuar ou com artistas com que nem sonhávamos fazer parcerias musicais.

Festa - As idas ao estrangeiro... é muito oneroso levar um bom acordeonista às comunidades portuguesas espalhados pelo mundo?
Rodrigo Maurício - Para além das viagens, estadia e alimentação, que são iguais a qualquer pessoa que se desloque, os nossos cachets são os mesmos que cobramos aqui, extremamente acessíveis. Aliás, desde que sejam dadas as condições indispensáveis e dignas, já cheguei a perguntar, quando percebi que queriam muito a presença mas que havia algumas limitações financeiras, qual o valor que lhes seria possível oferecer, pois também temos imenso gosto, e algum orgulho, em poder estar presentes. O que acabou por acontecer foi ser-nos sugerido um valor superior ao que estavamos à espera. São valores acessíveis aqueles que um acordeonista cobra, sendo, por vezes, mais importante a dignidade que o valor.
Por exemplo, quando sair a revista acabei de vir de uma atuação na Alemanha, próximo de Estugarda.

Festa - Em termos discográficos, os acordeonistas são um pouco “avessos” à gravação de discos. Também é o vosso caso?
Rodrigo Maurício - No meu caso não, não tenho sido nada “avesso” a gravar. Tenho catorze discos gravados, três deles em conjunto com a minha irmã. Pelo meio também sairam ainda algumas coletâneas.
Este ano, em que comemoro 35 anos de carreira (aos oito anos já fazia espetáculos), cheguei a pensar lançar um trabalho, mas acabou por não ser possível por ter sido um ano muito ocupado que não permtiu o indispensável tempo de estúdio para gravar.

Festa - Os vossos discos, vendem-se bem?
Rodrigo Maurício - Essa é uma preocupação da editora. Eu gravo mas a promoção e venda é da responsabilidade da Discotoni, uma editora com sede em Pombal com quem trabalho há alguns anos.

Festa - Há muitos jovens a gostar de acordeão atualmente?
Rodrigo Maurício - Em trinta anos de carreira pude assistir a uma verdadeira mudança no paradigma do acordeão, felizmente, isso porque o acordeão passou de ser um instrumento estritamente popular para se tornar num instrumento nobre. Isso tornou-o muito apetecível também para os mais novos.
Por incrível que pareça, quando nós aprendemos não havia acordeão no Conservatório. Tudo isso também mudou. Atualmente já há os cursos articulados que levam o instrumento às escolas o que faz com que muita gente mais nova passe a estar interessada em aprender a tocar este instrumento.

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